sábado, 21 de janeiro de 2023

Bogotá

Tantas desistências, quanto renascimentos, para a cabala do poema. Um morto acidental na curva apertada, perdendo o pulso nos dedos renascidos do escriba. Dois mil amigos, na intermitência do mesmo chão, erguendo-nos sorrindo com a força de irmão. Nove amigos perdidos na droga de vida e as mesas vazias escrevendo, à espera. Duas toneladas de tabaco a matar lentamente o pensamento. Cinco pobres patrões, escravos do capital, convencendo a ralé que o empregado é seu animal. Mil litros de álcool, a afogar as dúvidas, para cinco mil madrugadas luminosas. Três casas desalojadas de uma alma sensível e dos seus livros e sonhos, para a rua tombados. Cinco anjos a fornecer afectos e tecto, como canetas e papel. Cinco maçãs roubadas à luz do dia, sem armas ou raiva, só com desespero e fome. Dois livros lentos e em demasia, no paradoxo da existência. Dois frigoríficos vazios, cheios de culpa e quinze espelhos a não olhar. Centenas de olhares de repúdio, com que se espantam os doidos do horizonte. Uma editora atenta e dedicada, dando calor no deserto da atenção. Sete amantes descrentes da palavra, na falência dos afectos livres. Setecentas pessoas virtuais, com opiniões vivas e palpáveis, a ensinar os dois lados da moeda-opinião. Mil punhais dos olhares dos pares, nas mil formas de não aprovar o outro a partir do trono. Uma filha a ensinar ser criança, e a recuperar a esperança no amanhã e um grande amor, que nem gosta de poesia, a desfibrilar o mundo todos os dias. de Alexandre Gigas


Enter

Alex

Sem comentários:

Enviar um comentário