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sábado, 20 de outubro de 2012

Corvo



Coloquei uma rosa vermelha na tua gaveta.

Custou encontrá-la, até nisso sei que nos queriam afastar!
Sinto que as tuas irmãs já viram e imaginam quem foi!
Um dia que for ao bairro, se calhar encontrá-las, talvez lhe conte a nossa história, sei que hoje a cultura cigana já não é a mesma e que decerto vão compreender.
Fizeste de mim a mulher anarquista que sou!

Deixaste-me cedo de mais! Tinhamos tanto para aprender um com o outro!
Sabes que eu sou uma sonhadora e também sabes que um dia nos havemos de ver, sempre acreditei que a morte não era a ultima fase.
Disseste que me vinhas buscar quando partisse, que te desse a minha mão esquerda e que juntos entraríamos pelos portões da eternidade.
A mágoa transforma-se em lágrimas desde que descobri que te tinham prometido e por isso o destino não deixou que ficássemos juntos.
Era uma desgraça para a tua família saberem que o cigano tinha encontrado a sua alma gémea fora da sua tribo.

Éramos tão novos e tínhamos tantos planos escondidos.
Sei que prometi não ter mais ninguém na minha vida.

Tínhamos um acordo, nunca nos tocaríamos, éramos puros e inocentes!

Falhei a minha promessa e por isso estou a pagar o facto de não me ter convertido, mas os teus irmãos também não o fizeram.

Fomos amaldiçoados! Éramos rebeldes!
Imaginas como seria a nossa vida hoje?! Tínhamos fugido!

No dia em que foste nadar a minha mãe não me deixou ir e tu já não voltaste.
Não me devia agarrar ao passado, mas tu fazes parte dele, do meu presente, sempre fizeste e tenho a certeza que irás fazer parte do meu futuro. Chamem-me louca, eu não quero saber, sei que me fazes falta.

Foste tu que me ensinaste a dançar, ainda hoje te sinto em mim quando ouço musica, as tuas mãos nas minhas ancas, é como se a serpente subisse por mim acima e não me deixasse parar. A serpente bicéfala que um dia encontrámos e que irei tatuar em tua memória.

És a minha força, todos os dias, porque te sinto aqui dentro.

Não era preciso o pacto de sangue, ambos sentíamos que nos pertencíamos, embora o tivéssemos feito.
Tás aqui?! Ou é só a minha mente desesperada por tudo o que me aconteceu nos últimos tempos?
Não fui sincera, fui cigana!
Espanha chama-me, as nossas raízes, ainda ontem senti algo dizer-me que este país é pequeno demais para o que quero fazer. Não sei! Adoro o flamenco, as saias, a sensualidade, as castanholas, o riso das crianças, da criança que eu quis ter e que não sei cuidar.
Odeio-me, sabes, odeio-me muitas vezes! É a escrever que me sinto bem, por mim escrevia todos os dias, mas não posso, iria desvendar todos os meus segredos e há muitos que guardo para mim, tu és um deles.

Vou voltar a dançar, a dançar como dançava para ti, a deusa da dança! Sempre que dançar, é para ti que o farei, seja o que for, essa foi a única promessa que eu até agora consegui cumprir.

Vou  tentar fazer o que me pediste, colocar uma pedra no meu coração e canalizar o amor apenas para quem o merece. O verdadeiro amor. Pensei que o tinha encontrado, mas enganei-me!

Odiávamos os tradicionalismos e os conservadorismos, sempre soube que entre nós a violência não seria uma constante, fosse de que maneira fosse.

Quero mais é que se lixe o que pensem, o que digam, enlouqueci, decerto! Perdi o medo da morte e perdi o medo de dizer o que penso!

Os corvos crucitam lá fora, os nossos irmãos! O símbolo da resistência! Da resistência do nosso amor que ia contra tudo e contra todos!

Consegues voltar?! Sei que não! Nunca te vou conseguir substituir e por isso tal como a culpa, morrerei solteira, porque viúva nunca cheguei a ser.